quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Ressentimento

Era um domingo de tarde, cheio de ebriedade, no aconchego da amizade sincera, amizade que escancara todas as portas e janelas, que com o passar dos anos derruba todos os muros, nos faz expor o peito na inocência e felicidade da verdadeira camaradagem. Amizade que nos faz confiar cegamente, segredos, angustias e até a vida.

Bobagens e risadas se seguiam, sorrisos abertos e acordes incertos. Um papo frenético, no ritmo de um romance beatnik, os rolos de papel das nossas ideias sendo devoradas pela máquina de escrever da nossa língua. De repente num descuido, num faiscar estúpido, me descontrolei, e toda a podridão vociferei numa resposta impensada.

Foi então que eu desabei, todo o resto se borrou e apenas podia ver sua face, como que num quarto escuro a me fitar, nos seus olhos mergulhei, na expressão de dor, de traição, de desilusão. Mergulhei no infinito, e lá saboreei o gosto amargo do arrependimento. Naquele milésimo de segundo percebi uma eternidade, o tempo parou para me castigar, havia ferido seu peito aberto para um amigo, e meu coração era penetrado por mil agulhas. Tudo foi tão rápido que não tive nem tempo de desfazer o sorriso idiota que tinha no rosto.

Assim que voltei a mim, desviei constrangido o olhar. Alguém fez um comentário alheio a situação e o tempo continuou na sua cadência natural. As risadas voltaram a encher o ar, nada foi comentado nem demonstrado, afinal era uma coisa boba, imperceptivel, apenas nossos subconscientes entenderam, escondendo o ressentimento bem fundo em algum canto escuro no fim sem saída de um dos labirintos de nossas mentes.

É exatamente nestes cantos escuros que vamos nos perder nos momentos de desespero, são esses ressentimentos que nos fazem dar o impulso suicída ou construir com tijolos maciços e arame farpado, o muro.

Quem me dera poder voltar àquele momento, para ficar calado, não ter hoje que carregar este fardo, lembrar daquela expressão que me assombra. O perdão não adianta, o que está feito está feito. Só espero que você nunca passe por perto deste canto escuro, que ele fique bem esquecido, escondendo o que não deveria ter sido proferido.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Revolução Pessoal

Estude
Trabalhe
Compre um carro
Case
Compre um apartamento
Tenha filhos
Tenha netos
Morra
Vá para o céu

Assim que aprendi a entender as palavras, fui bombardeado com milhares de regras, conceitos, tradições e verdades absolutas. Minha mente de criança não foi capaz de filtrar tudo que me era vomitado. Primeiro os pais, depois o pastor, a televisão, a escola. Sem capacidade de questionamento engoli tudo e aceitei cegamente. Tinha fé para mover montanhas, mas elas não se moviam. Mesmo assim o padrão era mais forte, ridicularizava os diferentes, não aceitava outros pensamentos, me irritava com quem discordava da verdade.

Veio a adolescência, hormônios em turbulência, dúvidas crescentes, rebeldia inerente. Mandei tudo à merda, não tinha alternativas, mas tudo que tinha aceitado até então não podia ser verdade, logo nos primeiros questionamentos tudo desabou, não podia mais viver sob aquelas mentiras. Desta revolta não se criou nada de imediato, apenas negação. O processo de quebra dos paradigmas foi lento e difícil, muitos medos me foram impostos, muitas explicações fáceis apresentadas, tudo massificado, incontestável, absoluto. Opor-se ao poder consolidado e fortalecido só leva à derrota. Esta aceitei, me entreguei a danação, já podia ouvir as sirenes da policia do karma.

O corpo cresceu e a mente amadureceu, muitas idéias trocadas, muitas páginas folheadas, muitas experiências vividas, muitas pessoas conhecidas. Cada vez mais questionamentos surgiam, mais temas a serem discutidos, mais inconformismos, cada vez mais inquietação. Aprendi que quanto mais se procura menos se sabe, quanto mais se estuda menos se entende, quanto mais se critica mais dúvidas surgem. A renúncia de paradigmas não resulta necessariamente na criação de outros...

...neste vazio ideológico tenho vivido.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Rua Sem Saída

Olhos ao chão
Fumaça à boca
Cabelos ao vento
Frio, desalento

Escuras ruas de paranóia
Desespero conformado
Angustia contida
Grito afogado

Afundando em meio aos prédios
Insignificante ser revoltado
Sonhos aniquilados, coração destroçado
Solitário niilista amaldiçoado

Fugir ou se entregar ?
Morrer ou se alienar ?
O acaso há de se encarregar