terça-feira, 18 de maio de 2010

O Perdedor

O pugilista tropeçou e caiu quase desacordado, pendurou-se nas cordas num dos cantos do ringue equilibrando-se o melhor que podia, não queria se ajoelhar. Milhares de flashes disparados em sua direção fizeram com que seus olhos já bastante inchados perdessem-se naquela confusão de imagens. Sua cabeça girava e os sentidos começaram a falhar. Seu corpo debilitado começou a tremer, gradativamente cessou a consciência.

Nunca quis lutar, detestava violência, era um típico perdedor, aceitava tudo calado. No ambiente marginal em que fora obrigado a viver não conseguia se criar. As dívidas foram aumentando e a primeira oportunidade de levantar um dinheiro ele aceitou. Ser saco de pancada numa luta clandestina, eles sempre precisavam de carne moída.

Escutou ecos abafados de uma voz, abriu com esforço os olhos e alí na sua frente estava ele mesmo, sua própria imagem, jogou-lhe uma tijela de água da cara e após alguns tapas gritou: - Vamos lá camarada! Levanta seu fraco! Vai desistir agora? – Não conseguia acreditar nas suas próprías palavras, mas não teve tempo de pensar, um som agudo lhe interrompeu.

A campaínha surgiu dentro de sua mente e foi aumentando rapidamente trazendo junto todo o barulho da platéia. Levantou-se e atirou-se contra o adversário. Este já preparado desferiu um jab emendado de um gancho bem encaixado, o que soou como uma batida de automóvel contra um muro precedida de um atropelamento.

A multidão gritava extasiada, alguns clamavam por sangue, alguns cuspiam, outros gargalhavam, seus olhos esbugalhavam-se e seus dentes cerravam-se em apreensão e expectativas.

O perdedor acuado e humilhado recuou até encostar-se nas cordas, onde permaneceu aguardando o próximo movimento. As gargalhadas e o escarnio foram aumentando e penetrando sua mente atordoada, a pequena massa alí reunida personificava-se num odiável homem gordo, que devorava outros pequenos, afogava-se em sua risada e arrotava os pedaços que lhe engasgavam.

Não aguentou, no primeiro sinal de aproximação do adversário jogou-se sobre ele insanamente e mordeu-lhe o nariz ferozmente, arrancando com força um grande pedaço. Todo o estardalhaço cessou imediatamente, o silêncio reinou absoluto, podiam-se ouvir as gotas de sangue a cair no chão empoerado como timpanos tocados com toda a força.

O momento de transe surreal em que todos se encontravam foi interrompido pelo gemido entrecortado por sons guturais da vítima que agora se arrastava pelo ringue. Como em uma tempestade repentina, milhares de acusações trovejaram. Dedos impiedosos acusavam e bocas deformadas condenavam. Subitamente dois brutamontes agarraram o agressor e o arrastaram pela porta dos fundos.

Dele não mais se ouviu, nem mesmo toda sua fúria lhe privou do anonimato típico dos perdedores.

Um comentário:

sujeito da camisa listrada disse...

a vida em branco, nao pros outros, eles não ligam; pra himself mesmo.